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Correios serão a primeira estatal a ser vendida no governo Bolsonaro?

Com 106.000 funcionários e 356 anos de história, os Correios lideram a fila de privatizações previstas pelo governo. Falta combinar com a gestão

Por Mariana Desidério

 

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é tida pelo governo federal como um abacaxi. São 106.000 funcionários, mais de 11.000 agências — e uma profusão de problemas. Os Correios passaram um longo período sangrando: foram quatro anos seguidos de prejuízo de 2013 a 2016. As perdas acumuladas que ainda não foram pagas chegam a 2,5 bilhões de reais. A empresa voltou ao azul no último biênio, mas com margem de lucro apertada (em 2018 foi menor que 1%) e grande necessidade de investimento. Carrega ainda uma conta de 6 bilhões de reais com planos de saúde e previdência dos funcionários.

Na auditoria do último balanço dos Correios, a consultoria BDO chama a atenção para os maus resultados e para um grande volume de processos judiciais. Segundo a BDO, há “dúvida quanto à capacidade de continuidade operacional da empresa”. Para piorar, o cenário à frente é dos mais desafiadores, com serviços de entrega concorrentes inovando cada vez mais. Por tudo isso, o governo Jair Bolsonaro decidiu que o melhor é transferir esse problema para a iniciativa privada e elegeu a estatal como prioridade entre as privatizações.

 

O Ministério da Economia já começou a estudar a venda dos Correios. Além do serviço de entrega, a estatal tem como atrativo 5,5 bilhões de reais em imóveis. “Como uma empresa de serviços, os Correios deveriam ter menos ativos, e não carregar esse peso”, diz uma pessoa próxima às discussões sobre a privatização. O núcleo liberal do governo enxerga ali uma companhia inchada e ineficiente, com brechas demais para desvios e um histórico de corrupção. Em 2005, os Correios protagonizaram o início do escândalo do mensalão. Um ex-diretor, Maurício Marinho, foi filmado pedindo propina para favorecer empresas em licitações. O assunto foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Marinho dizia falar em nome do ex-deputado Roberto Jefferson, que acabou delatando um esquema de pagamento de suborno a membros da base do governo. O caso culminou na condenação de alguns dos principais nomes do governo Luiz Inácio Lula da Silva, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

Mais de dez anos depois, em 2016, a Operação Mala Direta, da Polícia Federal, desbaratou uma organização criminosa que fraudava postagens nos Correios, causando um prejuízo estimado aos cofres da estatal de 147 milhões de reais. Entre os suspeitos estavam funcionários da companhia e empresários. No período também vieram à tona pelo menos dois casos de fraude envolvendo investimentos no Postalis, fundo de pensão dos empregados dos Correios. O mais recente foi revelado no ano passado pela Operação Pausare, da Polícia Federal. Hoje o rombo no Postalis é de 6 bilhões de reais. O fundo está sob intervenção da Superintendência Nacional de Previdência Complementar.

Mas a privatização é um assunto que não está resolvido nem mesmo no próprio governo. O secretário de Desestatização e Desinvestimentos do Ministério da Economia, Salim Mattar, é um dos defensores da venda (Mattar não deu entrevista). O ministro Marcos Pontes, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, ao qual a estatal está subordinada, já deu declarações defendendo maior reflexão sobre o tema. Presidente dos Correios desde novembro de 2018, o general Juarez Cunha chegou a dizer no Twitter que tem “argumentos para demonstrar por que é importante para o país manter a empresa pública”. Oficialmente, os Correios dizem que não há nenhuma conversa em curso com o governo sobre privatização.

Com origem em 1663, quando foi criado o primeiro serviço postal do Brasil, a empresa já foi considerada uma das instituições mais confiáveis do país. Hoje, apesar de combalida, é a única representante da União em 60% dos municípios, segundo informações oficiais. Além de entregar cartas e encomendas, tem papel importante na distribuição de materiais didáticos e no acesso a serviços financeiros. Quem se opõe à privatização tem a esperança de que a companhia possa voltar a ser o que era. “Tivemos um período de crise, mas o momento agora é de retomada. A empresa merece essa chance”, afirma Maria Inês Capelli Fulginiti, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios.

Desde que o governo começou a aventar a possibilidade de venda, sindicatos, federações e outras entidades de representação dos funcionários montaram uma operação de contra-ataque. Eles têm entrado em contato com senadores e deputados para falar sobre o tema, além de reforçar a comunicação nas redes sociais. Uma audiência pública discutiria o tema no Congresso no dia 5 de junho, depois desta edição de EXAME ser concluída.

Arrumando a casa

Funcionários e executivos contrários à privatização argumentam que os Correios estão em rota de recuperação após um período sombrio. Depois de quatro anos de prejuízo, em 2017 a empresa teve lucro de 667 milhões de reais, ajudada por uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho, que mudou as regras do plano de saúde dos funcionários, em favor da companhia. No ano passado, novo lucro, de 161 milhões de reais. Segundo seu presidente, o general Cunha, a expectativa é cortar os custos de forma significativa neste ano para aumentar a eficiência da empresa e reduzir mais rapidamente o rombo do bilionário prejuízo acumulado. Cunha, ex-presidente do conselho de administração dos Correios, foi nomeado para o cargo ainda no governo Temer pelo então ministro das Comunicações, Gilberto Kassab (PSD).

Desde que assumiu, o general trabalha para arrumar a casa. Os Correios estão com um plano de demissão voluntária aberto, cuja meta é incluir 7.300 pessoas. Isso poderia gerar uma economia de 480 milhões na folha de pagamentos. A empresa, que já teve 118.000 empregados, deve fechar o ano com menos de 100.000. Cunha planeja economizar 516 milhões de reais com mudanças no plano de saúde. Anunciou o fechamento de 161 agências e pretende vender 16 imóveis. O general não comenta sobre o projeto de privatização, mas costuma dizer que, diferentemente de outras estatais, os Correios não dependem do Tesouro Nacional. “A empresa é perfeitamente viável. Nos últimos 15 anos, recolhemos 18 bilhões de reais em tributos e pagamos 7,6 bilhões em dividendos para o governo”, afirma Cunha.

Enquanto a decisão do governo não sai, os Correios investem para aproveitar melhor sua presença nacional, ampliando a oferta de serviços, como emissão de documentos. A companhia também está investindo em um centro de distribuição na cidade mineira de Contagem, com 55.000 metros quadrados, cuja inauguração está prevista para setembro. O objetivo é que a nova instalação ajude a fazer frente à expansão da demanda vinda do comércio online. A relação do setor com a estatal é de amor e ódio, nas palavras de Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico.

As grandes empresas de vendas pela internet têm buscado cada vez mais atuar com empresas privadas de logística. Porém, os pequenos empreendedores ainda dependem muito do serviço dos Correios, que não têm valor mínimo para as postagens e possuem uma capilaridade maior de agências. Já quando o destino da encomenda fica em um lugar distante, as próprias empresas de logística repostam a mercadoria via Correios — segundo a empresa, 99% das entregas chegam no prazo. “A modernização da tecnologia é o mais importante. Enquanto as empresas privadas conseguem dizer o horário da entrega, nos Correios eles dizem que vão entregar num prazo de cinco a 15 dias”, afirma Salvador. A gestão atual da estatal criou ainda uma diretoria de governança, compliance e segurança, em abril, e tem um delegado cedido pela Polícia Federal para coibir roubos e furtos. “A ideia é tornar as operações cada vez mais transparentes”, afirma Ruy Rocha, vice-presidente do conselho de administração dos Correios.

Um dos temores de quem é contra a privatização é que uma empresa privada privilegie as cidades lucrativas em detrimento das deficitárias. Mais de 90% da receita dos Correios vem de pouco mais de 300 municípios. Uma possibilidade seria fatiar a empresa em regiões e atrelar as áreas lucrativas às de menor potencial de ganho. Executivos e conselheiros da companhia trabalham também com a possibilidade de abertura do capital, segundo EXAME apurou.

Outra opção seria criar sociedades para privatizar a empresa aos poucos, seguindo o modelo do serviço postal alemão. A alternativa era a preferida do ex-presidente da estatal Guilherme Campos, que comandou a companhia de 2016 a 2018. “Não vejo a possibilidade de privatização numa tacada só. Os Correios têm uma série de passivos que, quando colocados no papel, são difíceis de ser absorvidos por qualquer empresa da iniciativa privada”, afirma Campos. Estatal ou em mãos privadas, o certo é que os Correios não podem mais errar, sob o risco de ficar pelo caminho. Enquanto a estatal carrega o peso das ineficiências e desmandos, a concorrência estuda entregas com drones. “A empresa corre o risco de virar um dinossauro”, diz Philippe Minerbo, especialista em logística e diretor executivo da Cosin Consulting. Aos 356 anos, os Correios podem estar prestes a ver sua história mudar.

Fonte: Revista Exame

https://exame.abril.com.br/revista-exame/a-primeira-a-ser-vendida/

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