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Legislação no E-commerce

Limitar o acesso à internet parece ser um tema que não sairá da pauta dos lobistas de plantão. Não podemos ser ingênuos: dizer que a intenção da limitação é melhorar os serviços é tática clássica de relações públicas, como bem descreve a professora Cicilia Krohling Peruzzo, que, em última análise, tenta harmonizar interesses conflitantes, ou seja, o das empresas de receberem mais e o dos consumidores de não pagarem mais. Ocorre que, frequentemente, os políticos assumem essa posição de verdadeiro relações públicas de grupos de empresas ou setores, esquecendo-se do ordenamento jurídico e dos princípios mais elementares do Direito.

Ao impor limites em planos outrora ilimitados, os provedores de acesso estarão diminuindo consideravelmente o número de usuários da internet, e consequentemente, os usuários e contratantes de diversos tipos de produtos ou serviços oferecidos na rede mundial, o que gerará um impacto negativo em toda a economia, na educação, na inovação, na pesquisa científica, entre outros âmbitos.

Por ser exíguo o espaço, iremos abordar sucintamente alguns motivos pelos quais a limitação da internet fixa fere o Direito.

O direito à Livre Iniciativa seria violado: a CF estabeleceu a livre iniciativa como um dos seus fundamentos (art. 1º, IV). Segundo o professor Celso Ribeiro Bastos a livre iniciativa “é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa”[1].

Nesse sentido os empreendedores, especiais personagens da Livre Iniciativa, seriam ainda mais onerados com o aumento do custo do acesso à internet, principalmente os operadores de negócios digitais, como comércio eletrônico, mantenedores de softwares como serviço, empresas de Tecnologia da Informação, serviços on demand, entre outras, que seriam os primeiros e maiores impactados.

Não é muito destacar um item que tem sido esquecido na discussão: o home office ficará mais caro e alguém terá que pagar a conta. Na Justiça do Trabalho são comuns as decisões que obrigam as empresas ao reembolso do custo de lavagem do uniforme em casa (custo que é da empresa, não do empregado), em outro sentido não serão as decisões quanto ao uso da internet residencial para realização dos serviços.

A Inovação e Pesquisa seriam comprometidas: A CF determinou que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação (art. 218). O estado deverá dispensar tratamento prioritário à pesquisa científica e tecnológica (art. 218, parágrafo 1º).

Nos últimos tempos, quando falamos de inovação, geralmente estamos falando de produtos e serviços que utilizam a Internet. A inovação, de certa forma, pode ser considerada como tal de acordo com sua acessibilidade. O comercio eletrônico, por exemplo, já deixou de ser considerada uma inovação há muito tempo por seus usuários, mas se considerarmos que apenas pouco mais da metade da população já comprou pela internet, então o e-commerce ainda será considerado inovador para muitas pessoas, devendo permanecer no “radar” do Governo como negócio inovador. Ocorre que a limitação do acesso à internet, ao diminuir o número de usuários, põe em risco esses negócios inovadores, dificultando sua expansão para locais que, por suas limitações econômicas e sociais, somente estarão aptos à sua utilização no futuro.

Não é difícil concluir também que a limitação do acesso tornaria as atividades de pesquisa científica, muitas vezes mantidas pela iniciativa privada, mais dispendiosas, vez que tais atividades são cada vez mais dependentes da Internet e da transmissão de dados. Ora, o tratamento prioritário, determinado pelo legislador constitucional, não pode e não deve ser no aspecto de dificultar ou embaraçar, mas de beneficiar e promover.

Contrariedade ao Marco Civil da Internet (MCI): O MCI, com alto teor constitucional, reconheceu que a disciplina do uso da internet tem por objetivo, entre outros pontos, a inovação e o fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso (art. 4º, III). Já tratamos do tema no item anterior.

Contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor (CDC): Um dos princípios do CDC é o Direito à Informação, ou seja, o consumidor tem direito a receber informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (Art. 6º, III). Ocorre que, no caso da limitação da internet, como os provedores farão o controle? Haverá um sistema confiável e auditável que propicie ao consumidor conferir seu consumo?

Acesso à internet é um direito humano: desde 2011 a ONU já havia indicado, em parecer, que o acesso à internet deveria ser considerado como um direito humano, ou seja, essencial para o desenvolvimento das pessoas numa sociedade da informação. Se tal direito for incorporado no ordenamento jurídicos brasileiro, já estará resguardado pela Constituição Federal (CF), que  estabeleceu como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Conceitualmente podemos concluir que, num mundo cada vez mais informatizado e digital, tolher ou embaraçar o acesso à internet estaria violando a dignidade das pessoas, que utilizam a rede para seu desenvolvimento pessoal, psíquico e social. Isso não quer dizer que o acesso à internet tenha que ser gratuito, mas no caso brasileiro isso não é a questão, já que a proposta é limitar a internet de quem paga por ela.

Existem também argumentos não jurídicos, como o fato da internet brasileira ser uma das piores e mais caras do mundo. Todavia, qualquer advogado que já tenha militado na Justiça do Trabalho ou nos Juizados Especiais Cíveis sabe muito bem quanto tais empresas perdem dinheiro não com problemas de estrutura tecnológica, mas com problemas gerenciais. Contratação de empresas terceirizadas inadimplentes com direitos trabalhistas, inscrições de dívidas inverídicas, má gestão dos prestadores de serviço, etc. Os consumidores brasileiros estão sendo instados a pagar pela ineficiência que nada tem a ver com o provimento de acesso à internet em si.

Concluímos que a limitação do acesso à internet deve ser pensada dentro do ordenamento jurídico, e não fora, sob pena de ser considerado flagrantemente ilegal e tornar ainda mais difícil a vida do já sofrido povo brasileiro.

  1. RICARDO OLIVEIRA

Sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Direito dos Negócios Digitais, Tecnologia da Informação e E-commerce. Possui Extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE, MBA em Gestão Estratégicas de Negócios pela Faculdade de Informática e Administração Paulista – FIAP e especialização em Direito pela Universidade Mackenzie. Professor Universitário de Direito aplicado aos Negócios Digitais, em cursos de MBA. Também é coautor do livro Marco Civil Regulatório da Internet – Editora Atlas – 2014.

[1] BASTOS, Celso Ribeiro. O Princípio da Livre Concorrência na Constituição Federal. Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n.10, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995.