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Legislação no E-commerce

Por Hélio Tadeu Brogna Coelho, Diretor Jurídico na ABComm

Helio-Coelho

Há muito se tem discutido acerca da reforma tributária, seja em razão da elevada carga, seja em razão da má-destinação dos impostos nas mais diversas regiões do país, ou outros diversos motivos. Mesmo com a perpetuação do atual Governo, o plano da reforma ainda paira no campo da mera cogitação.

Com efeito, em meados de 2011, com o crescimento e a expansão do comércio eletrônico nacional (e-commerce) surgiram, repentinamente, milhares de Websites no setor varejo online, abrindo-se portas para compra e venda de produtos em todo o território nacional.

Os grandes precursores das vendas online foram os Estados da região Sul e Sudeste do Brasil, tal como o Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande Sul, Paraná, Minas Gerais, Santa Catariana etc. Os Estados da região norte e nordeste brasileiros, embora não comportassem, à época (meados de 2011), a mesma quantidade de lojas virtuais como o Estado de São Paulo, por exemplo, eles abrigavam, de outro lado, grande quantidade de consumidores dos produtos e serviços comercializados na região sul do país, o que vinha causando desequilíbrio na arrecadação levando-se em consideração que, nos termos do art. 155, II, da Constituição Federal, regulamentado por meio da Lei Complementar nº 87/1996, a arrecadação do ICMS é destinado ao Estado de origem do produto (vendedor), e não ao Estado de destino (consumidor).

Com isso, diversos Estados da região norte e nordeste se reuniram perante o Confaz[1] e resolveram por bem editar o chamado “Protocolo nº 21/2011” para “equilibrar” a arrecadação e a repartição do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) entre os Estados vendedores de produtos e os Estados consumidores. Em suma, houve a típica “bitributação”, onde os Estados signatários do Protocolo nº 21 não reconheciam o valor do ICMS pago aos Estados da região Sul e Sudeste que não faziam parte do Protocolo, e resolveram tributar novamente o ICMS (Ex.: Recolhe-se 17% em São Paulo (origem) e mais 7% no Estado do Amapá (destino)).

Instalou-se aí uma guerra fiscal que logo foi submetida ao crivo do Poder Judiciário, mas a decisão foi recentemente proferida, como se verá adiante.

O ICMS, como se sabe, é a principal fonte arrecadadora de impostos dos Estados, e, embora seja um imposto tipicamente seletivo (em razão da essência do produto) e não cumulativo – este, com vistas à redução do impacto tributário na cadeia produtiva – o Protocolo 21 sequer atendeu ao critério da compensação, e instituiu, de fato, uma nova alíquota, ocorrendo a chamada “bitributação”.

Antes mesmo de questionarmos a efetiva inconstitucionalidade do Protocolo 21 e os efeitos gerados pela decisão do Supremo Tribunal Federal que o suspendeu, é importante registrar que o Confaz é um órgão meramente administrativo e foi criado pela Lei Complementar nº 24 de 7 de Janeiro de 1975. É vinculado ao Poder Executivo. Sua principal finalidade é promover ações necessárias à elaboração de políticas públicas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal. Possui competência, portanto, restrita a promover celebração de convênios entre Estados para dispor sobre normas já existentes; promover estudos para aperfeiçoar a administração tributária; sugerir medidas para harmonizar as exigências legais etc.

O Convênio ICMS nº 133/97 criou o “Regimento do CONFAZ”, e o Regimento, no art. 38, diz:

“Art. 38:

(…)

Parágrafo único: Os Protocolos não se prestarão ao estabelecimento de normas que aumentem, reduzam ou revoguem benefícios fiscais”.

Diante disso, e não obstante a literalidade da Constituição Federal quanto à distribuição de competência para instituição e arrecadação dos impostos conclui-se, pois, que função do Confaz é meramente “regulamentar” e não pode, portanto, criar “tributos” ou instituir impostos.

A entrada em vigor do Protocolo 21/2011, evidentemente, gerou calorosos debates e discussões sem fim sobre a sua perceptível inconstitucionalidade e a agressão literal à Constituição Federal. Submetida ao crivo do Supremo Tribunal Federal diante da evidente e prejudicial inconstitucionalidade, diversas associações, entidades e os próprios Estados diretamente atingidos se mobilizaram e ingressaram com diversas ações (ADI) e, inclusive, na qualidade “amicus curiae” para assistir a outros autores originários dessas ações.

Mas somente agora, em meados de fevereiro de 2014, é que, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.628, o Ministro Luiz Fux, categoricamente, concedeu liminar para suspender o Protocolo nº 21. Isso significa que, a partir de agora, os Estados signatários do Protocolo e destinatários dos produtos ou serviços adquiridos por meio do varejo onlinenão podão exigir ICMS pela operação.

A questão veio a reacender, inclusive, o questionamento feito no início deste texto sobre a reforma tributária. Vale a pena transcrever aqui o trecho da decisão que concedeu a liminar:

“Em que pese a alegação do agravamento do cenário de desigualdades inter-regionais, em virtude da aplicação do art. 155 § 2º, VII, da Constituição, a correção destas distorções somente poderá emergir pela promulgação de emenda constitucional, operando uma reforma tributária, e não mediante a edição de qualquer outra espécie normativa. Precisamente por não ostentar legitimidade democrática da Assembleia Constituinte ou do constituinte derivado, descabe ao Confaz ou a qualquer das unidades da Federação de forma isolada estipular um novo modelo de cobrança de ICMS nos casos de operações interestaduais quando o destinatário final das mercadorias não for seu contribuinte habitual.”.

(…)

“Note-se que, segundo a Lei Fundamental de 1988 e diversamente do que fora estabelecido no Protocolo ICMS nº 21/2011, a aplicação da alíquota interestadual só tem lugar quando o consumidor final localizado em outro Estado for contribuinte do imposto, mercê do art. 155, § 2º, inciso VII, alínea g, da CRFB/88. Em outras palavras, outorga-se ao Estado de origem, via de regra, a cobrança da exação nas operações interestaduais, excetuando os casos em que as operações envolverem combustíveis e lubrificantes que ficarão a cargo do Estado de destino”.

Apesar da matéria objeto da ação ser de amplo interesse social e ter gerado manifesto prejuízo aos diversos entes e consumidores, por questão de segurança jurídica e levando-se em consideração apenas o caráter liminar da decisão, o Ministro relator modulou os efeitos do decisum para emprestar-lhe caráter “ex nunc”, nos termos art. 11, §1º, da Lei nº 9.868/99 (após retificação “ex oficio” da decisão), de modo que, por ora, os efeitos não são retroativos. Com a análise do mérito, e dependendo da modulação dos efeitos que for atribuída à decisão final, toda essa situação abrirá portas e poderá resultar numa grande quantidade de ações das empresas de e-commerce visando à restituição do imposto recolhido duplamente durante toda a vigência do Protocolo 21.

Assim, diante de tudo o que foi exposto verifica-se que a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal foi uma grande vitória às empresas de “e-commerce” e aos próprios consumidores das regiões norte e nordeste do País, que chegaram a ter suas mercadorias apreendidas quando não estivessem acompanhadas das respectivas guias de recolhimento. Atualmente, e sob os efeitos da liminar, isso não é mais possível, e é o que se aguarda no pronunciamento final (mérito) do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, para tornar definitiva a inconstitucionalidade da norma.


[1] Conselho Nacional de Política Fazendária